Após a apresentação das alegações finais no processo em que é acusado de liderar uma tentativa de golpe de Estado, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) aguarda no Supremo Tribunal Federal (STF) a marcação da data de julgamento pela Primeira Turma. O caso representa um marco na história judicial brasileira por ser o primeiro julgamento de um ex-presidente por crimes contra o Estado Democrático de Direito. A expectativa é a de que o julgamento comece em setembro.
Diferentemente do que acontece com um réu julgado na primeira instância, Bolsonaro não terá instâncias superiores para recorrer, mas isso não significa que ele não possa contestar o resultado do julgamento. Segundo a advogada criminalista Jacqueline Valles, mestre em Direito Penal com mais de 30 anos de experiência em Tribunal do Júri, a defesa de Bolsonaro possui um arsenal jurídico robusto para contestar uma eventual condenação. “O sistema recursal no STF, embora limitado por ser a última instância, oferece mecanismos importantes que podem prolongar significativamente o desfecho final”, explica a jurista.
Na peça de 197 páginas apresentada nesta quarta-feira (13), a defesa de Bolsonaro classificou como “absurda” a acusação da Procuradoria-Geral da República (PGR), afirmando que não há provas que liguem o ex-presidente aos planos para matar autoridades “e muito menos aos atos de 8 de janeiro”. A defesa também questionou a credibilidade da delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, classificando-o como um “delator sem credibilidade”.
Embargos de Declaração: a primeira linha de defesa
A criminalista afirma que uma estratégia “automática” são os embargos de declaração. “Se houver condenação, a defesa certamente alegará omissões no julgamento. Por exemplo, se o tribunal não se manifestar expressamente sobre a alegada suspeição do ministro Alexandre de Moraes ou sobre a contestação da credibilidade da delação de Mauro Cid, isso abre espaço imediato para este recurso.”
O prazo para apresentação é de apenas dois dias, mas o recurso pode suspender os efeitos de uma eventual condenação enquanto não for julgado. “Os embargos de declaração são cabíveis quando há omissão, obscuridade ou contradição na decisão. É praticamente certo que a defesa encontrará algum ponto não abordado pelos ministros”, detalha a criminalista.
Embargos Infringentes: a estratégia mais promissora
Jacqueline entende que os embargos infringentes são a estratégia mais promissora para a defesa: “Este é o recurso que pode mudar completamente o jogo. Se apenas um dos cinco ministros divergir em qualquer ponto da decisão – não precisa ser uma divergência total -, isso permite levar a questão para as duas turmas reunidas, ou seja, para os dez ministros.”
A advogada explica que essa possibilidade é realista: “Considerando a composição da Primeira Turma e o histórico de votações, é perfeitamente possível que haja divergência em algum ponto específico, como a tipificação de determinado crime ou a dosimetria da pena”, revela.
No entanto, ela alerta para uma limitação crucial: “A defesa fica restrita ao objeto da divergência. Se um ministro divergir apenas sobre a pena, não é possível usar os embargos infringentes para pedir absolvição total. É uma regra rígida que muitos não compreendem.”
Jacqueline cita um exemplo hipotético: “Se quatro ministros condenarem Bolsonaro por todos os crimes (abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano ao patrimônio, dano ao patrimônio protegido e organização criminosa armada) e um ministro absolver apenas do crime de organização criminosa armada, os embargos infringentes só poderão discutir especificamente este delito”.
O rito do julgamento
Após a entrega das alegações finais, o relator do processo no STF, ministro Alexandre de Moraes, deve elaborar um relatório final e requisitar ao presidente da Primeira Turma, ministro Cristiano Zanin, uma data para o julgamento. O colegiado é composto ainda pelos ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Flávio Dino.
Durante a primeira sessão de julgamento, será realizada a leitura do relatório completo, que resumirá desde a denúncia até os argumentos das defesas. “O relatório de Moraes será extenso, considerando a complexidade do caso e o volume de provas coletadas, incluindo mensagens, documentos e depoimentos de dezenas de testemunhas”, observa Jacqueline.
Há ainda a possibilidade de sustentações orais finais antes da votação dos cinco ministros. A perspectiva é a de que o julgamento dure, ao menos, dois dias, caso nenhum ministro peça vistas.
Impactos políticos e jurídicos
Jacqueline acredita que esse caso estabelecerá precedentes importantes sobre os limites da tipificação de crimes contra o Estado Democrático de Direito. “A decisão influenciará casos futuros envolvendo tentativas de ruptura institucional”, analisa.
Com base no cronograma atual, o julgamento deve ocorrer em setembro, mas Jacqueline alerta que o processo pode se estender: “Se algum ministro pedir vista, o que é comum em casos complexos, isso pode atrasar o julgamento por até 90 dias. Considerando a magnitude do caso, não seria surpresa.”
Caso haja condenação seguida de recursos, o desfecho final pode se arrastar até o final de 2025 ou início de 2026. “Os embargos infringentes, se cabíveis, podem adicionar meses ao processo. É uma maratona jurídica que está apenas começando”, completa Jacqueline Valles.